Outro dia li uma matéria sobre o historiador, ensaísta, crítico literário, professor e jornalista
Sérgio Buarque de Holanda.
Fiquei admirado, pensando cá comigo: interessante como certas pessoas têm essa aptidão inerente, uma destreza natural em não apenas um, mas múltiplos campos profissionais.
No caso de Sérgio, cada um desses ofícios por ele desempenhados já trariam prestígio a qualquer trabalhador dedicado, desde que bem exercidos, evidentemente.
Mas ele não se deteve a apenas uma seara específica. Esse artigo falava justamente disso, por ocasião do recente lançamento de seu livro não publicado de contos ( área que não era a considerada de sua especialidade):
A viagem à Napoles.
Enfim, fiquei divagando sobre a linha tênue entre diletantismo e atividade profissional.
Muito difícil dizer ao certo onde começa um e termina o outro, em se tratando sobretudo das artes pois, de repente, quando menos esperamos podemos estar ganhando a vida com algo novo e surpreendente, outrora considerado apenas um passatempo.
Não raro, surge-nos aquela vontade de se aventurar por outras praias, sejam as de sonho de criança ("quando crescer quero ser...") não concretizadas, ou pelo simples desejo de arriscar-se em algo original, inexplorado, enfrentando o desafio de "mares nunca dantes navegados".
A verdade é que há, sim, casos interessantes de artistas e profissionais atuantes em diferentes áreas e, em alguns casos, tão díspares quanto se possa imaginar.
Alguns deles fazem da somatória de atividades seu ganha-pão, em outros casos uma delas pode ser o refresco para a outra (geralmente a que sustenta o indivíduo), uma diversão, remunerada ou não.
Veja o caso de
Guinga : sendo o fantástico compositor que todos conhecemos, também atende por " doutor Carlos Althier", no papel de dentista (hoje por puro hobbie), e aqueles que já estiveram em seu consultório garantem que também é um verdadeiro "artista" das obturações, canais e afins.
Já
Chico Buarque, fazendo jus ao sobrenome do pai, além do compositor que dispensa quaisquer comentários, tornou-se romancista, escrevendo livros como
Budapeste e
Estorvo.
Ed Motta se valeu de suas habilidades de conhecedor de vinhos para criar várias cartas, menus de restaurantes e Hoteis, inclusive do Emiliano, um dos mais sofisticados de São Paulo. Dizem por aí que se sai muito bem como sommelier, apresentando ainda um programa de rádio:
Empoeirado.
Caetano Veloso, que na juventude aspirava ao posto de cineasta, chegou a dirigir o filme
Cinema Falado, além de ter escrito o livro
Verdade Tropical. Em ambos os casos já era o magnífico compositor e cantor, que viera de Santo Amaro da Purificação para o mundo.
Vinícius de Moraes já é um caso à parte: poeta, compositor,
bon vivant e diplomata... dos bons!
Charles Chaplin não se limitou a expressar a genialidade em seus impagáveis filmes, seja como ator ou diretor, mas o fez também como compositor!! Na minha opinião, escreveu uma das mais belas canções de todos os tempos:
Smile ( que foi parte da trilha de
Tempos Modernos, e tem até uma
versão em português interpretada por Djavan).
E a lista vai longe;
Luis Tatit ( professor de semiótica, ensaísta e músico),
Frank Sinatra ( ator e cantor, uma combinação relativamente comum nos Estados Unidos),
Paulo Vanzolini ( zoólogo e compositor, vejam vocês!),
Mário de Andrade ( poeta, romancista, musicólogo, professor, crítico e ensaísta),
Zé Miguel Wisnik (professor de literatura, escritor, músico), só para citar alguns pouquíssimos exemplos.
Se formos observar bem lá atrás, aí a coisa se complica e a lista se estende ainda mais, até pela formação polivalente que era tida como normalíssima, em oposição à formação especializada nos dias de hoje, de extrema conveniência ao nosso sistema capitalista à la "apertadores de parafuso", como retrataria esplendidamente Chaplin já em 1936);
Galileu Galilei( físico e matemático, escritor, filósofo...),
Pitágoras (físico e matemático, filósofo, músico...). Isso sem contarmos o maior e mais brilhante exemplo de polivalência da História,
Leonardo da Vinci (pintor, matemático, escultor, arquiteto, físico, escritor, engenheiro, poeta, cientista, botânico, músico...)
Uma breve reflexão nos levaria à seguinte conclusão animadora: sejam lá quais forem suas paixões, vocações, dons ou como queiram chamar...
tudo vale a pena, se a alma não é pequena, já diria
Fernando Pessoa ( poeta, jornalista, publicitário....)