segunda-feira, 30 de maio de 2011

The Guitar Heroes & Benedetto

A história precedente à imigração dos luthiers italianos que se estabeleceram nos EUA na virada do século XX é muito interessante.
É sabido que a Italia teve um papel fundamental na história da fabricação de instrumentos de cordas, principalmente à partir do sec. XVI. A Luthieria era um ofício "de familia", passado de pai para filho através das gerações (havia famílias incríveis no ramo de luthieria em Milão, Veneza, Bologna, Florença, e Cremona, terra do inventor do violino, Andrea Amati, e também de Antonio Stradivari, talvez o mais famoso luthier da história).
No final do século XVIII, Nápoles era não só uma das maiores cidades da Península Italiana, mas de toda a Europa, e havia por lá uma cena musical extremamente prolífica. A Escola de Ópera Napolitana de Alessandro Scarlatti, a Ópera "Buffa", assim como alguns dos mestres pioneiros da guitarra clássica, Ferdinando Carulli e Mauro Giuliani, tiveram todos em Nápoles seu cenário inspirador.
A primeira 'guitarra' de seis cordas fôra criada pelo napolitano Gaetano Vinaccia, em 1779 (conhecida como "guitarra romântica"), e nesse interim, algumas famílias napolitanas, como os próprios Vinaccia e os Fabricatore, passaram a introduzir técnicas modernas e inovadoras à fabricação de bandolins e guitarras. Com o tempo, Nápoles tornou-se o mais importante centro na produção de instrumentos de cordas da Itália, posição em que permaneceu durante todo o sec. XIX.
Na virada do século XX, por conta de uma crise econômica aguda e da turbulenta situação político-econômica decorrentes do processo de unificação, milhões de italianos imigraram para os Estados Unidos. O fato é que muitos desses imigrantes eram justamente do Sul, e se estabeleceram nos EUA sobretudo na região de Nova Iorque, criando enormes comunidades chamadas de "Little Italy". Estes bairros tornaram-se um tanto quanto familiares, principalmente através dos filmes de Martin Scorsese e Francis Ford Copolla, mas aqui quero falar de outra coisa - os guitarmakers e suas criações extraordinárias.
Em 1880, um grupo espanhol chamado "Estudiantes Espanoles" excursionou os EUA tocando suas bandúrrias, tornando -se uma verdadeira sensação! Rapidamente, os músicos italianos imigrantes trataram de capitalizar aquele sucesso estrondoso dos "Estudiantes" e logo começaram a formar grupos locais, imitando a trupe espanhola que tocava música de raíz, apenas substituindo as bandúrrias por bandolins.
Entre 1880 e 1920, houve uma verdadeira febre por estes instrumentos nos Estados Unidos, onde milhares eram importados da Itália.
Muitos luthiers italianos, que buscavam melhores condições e oportunidades, acabaram seguindo o fluxo imigratório e mudaram-se da península para os EUA, passando a manufaturar bandolins in loco, trazendo consigo técnicas e sabedoria até então desconhecidas no novo continente - técnicas estas que posteriormente seriam empregadas também na construção das famosas guitarras archtops.

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Há pouco tempo atrás tive a alegria e honra de participar ao lado de Anthony Wilson, Julian Lage e Steve Cardenas de um concerto, como parte de uma enorme homenagem a alguns dos mais fantásticos construtores ítalo-Americanos de guitarras archtops da atualidade. O evento chama-se "The Guitar Heroes", e alguns dos homenageados - os ítalo-americanos John Monteleone, James D'Aquisto, John D'Angelico - todos luthiers extraordinários, tiveram seus instrumentos expostos no evento. No concerto usamos quatro guitarras especialmente construídas por Monteleone para a ocasião, executando uma peça também escrita especialmente por Anthony Wilson: "The Four Seasons", e posso dizer o seguinte - as guitarras eram realmente fantásticas, foi um prazer muito grande experimentar cada um dos quatro modelos, muito próprios, personalíssimos.

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Ao longo desta mesma viagem, cheia de boas surpresas, tive a oportunidade e honra de conhecer outra lenda na história dos Luthiers Ítalo-Americanos, um dos maiores da atualidade.
Lá em Savannah, onde fica sua oficina, pude experimentar mais de 40 instrumentos feitos por este mestre, e fiquei absolutamente extasiado com a sonoridade, o acabamento e qualidade das guitarras, verdadeiras obras-primas.
Estou falando de Robert Benedetto, e da Benedetto Guitars.
Durante horas pude usufruir de diversos modelos, na casa do presidente H. Paul - onde me pediram para experimentar diversos exemplares clássicos da marca - uma noite memorável! Conferi de perto os modelos de John Pizzarelli, Pat Martino, Andreas Oberg, Bucky Pizzarelli, Andy Summers, Kenny Burrel, e outros modelos simplesmente extraordinários!

Já de volta a São Paulo, recebo a mensagem do presidente da Compania, dizendo que seria um enorme prazer construir um instrumento especial pra mim - e que gostariam que me tornasse um "Benedetto Performing Artist".
Precisamente das mãos do próprio Benedetto, já está nascendo esta nova e certamente incrível parceira musical, uma Benedetto Flagship Series.

8 comentários:

Mecka disse...

Parabéns,Chico!!!

Que beleza!

É verdade pra quem já lhe ouviu e viu tocar de perto (constatou o que você faz com a guitarra e o violão, assino embaixo do comentário do Edu Lobo),sabe que o que não vai faltar em sua vida são luthiers engrossando a fila para terem o privilégio do seu toque mágico. Esta imagem dá até uma charge bem humorada!

Beijão !

Mecka

Tatiana disse...

É, a Itália, sempre a Itália!

Muito interessante esse histórico do instrumento de cordas que faz com que cada detalhe tenha uma razão de ser, razão de emocionar a quem se sente tocado por esta dádiva que é a música, a sua música Chico.
Que honra ter um instrumento feito pra vc, muito merecido, com certeza!

Tudo de bom
:)bj

rogerio santos disse...

Parabéns Caro Chico...

Creio que farão um grande negócio...
Uma guitarra nas tuas mãos é como uma bola nos pés dos grandes craques...

Muito obrigado por compartilhar tuas experiências com a gente...
Admiro muito sua pessoa, por tudo que vem construindo, e compartilhando com quem aprecia sua música e musicalidade...

Abração,
Rogerio

Chico Pinheiro disse...

Olá Mecka!
Pois então, fiquei contente com essa nova parceria.
Sou apaixonado pela ES 175, tem um som maravilhoso, mas são dois instrumentos totalmente diferentes.
O engraçado é que, ontem mesmo, chegou outro email de uma outra grande marca de archtops nos EUA oferecendo um instrumento sob medida..
O fato é que estou muito feliz com a Benedetto.
Viva os grandes luthiers e suas 'máquinas' maravilhosas... nos, os guitarristas, agradecemos!!
Bjs
C.

Chico Pinheiro disse...

Você viu Tatiana?
Os italianos não brincam em serviço... foram e são incríveis em tantas frentes artísticas, uma coisa!
Obrigado pelo carinho,
Beijo grande,
C.

Chico Pinheiro disse...

Caro Rogério,
Saiba que é um grande prazer estar em contato.
Obrigado pelo carinho de sempre, e obrigado a você(s) por estarem por perto e fazerem do Blog sempre um gostoso bate papo. :)
Abraços!
C.
p.s. Como vc bem disse, e um guitarrista amigo meu sempre comenta.. com uma "raquete" dessas nas mãos, com certeza jogar torna-se algo ainda mais divertido!

Mecka disse...

Rapaz, e voltei aqui, por que nem comentei do seu texto como um todo, situando a gente na história da Lutieria, muito gostoso de ler...

Está vendo o que disse, vai ser fila longa viu, pode preparar as mãos, as unhas...

Imagino a delícia de descobrir os diferentes timbres das guitarras, violões...entendo isso, fico doida quando entro em uma loja de pianos...é um parque de diversões..
Tem uma loja que fica na Avenue da L'grande Armée em Paris que é uma loucura, na direção de La defense...é bom demais ficar horas descobrindo os diferentes timbres dos instrumentos...
Beijão prô'cê Chicão...

Chico Pinheiro disse...

Olá Mecka!
Obrigado pela dica. A próxima vez que for a Paris, com certeza vou procurar essa loja, dar uma olhada nestes pianos (que, com certeza, são "daqueles" de não querer parar de tocar nunca mais).
Bjs,
C.