sábado, 31 de janeiro de 2009

Tudo em perspectiva.

" O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos."


Relendo recentemente a poesia de Manoel de Barros foram me ocorrendo alguns pensamentos assim a esmo, que depois de descansarem um tanto voltaram a despertar furtivamente em minha cabeça.
É que lendo um bocado aqui e acolá, fui me enternecendo a cada palavra, cada verso - não só pelo engenho do poeta em construir passagens profundas, singelas, ou por vezes pinceladas com finas 'tiras' de humor - mas desta vez o que mais me entreteve foi reparar a coexistência pacífica e certeira entre a regionalidade e universalidade de sua obra.
O matogrossense Manoel versava partindo daquela pequena formiga recortando a folha da roseira, as aves em revoada, os peixes no rio, as veias da terra arada, enfim, os detalhes escondidos em cada pedaço de chão, tudo era matéria prima para a 'arquitetura' de sua arte. Nas palavras dele: "As coisas que não levam a nada têm grande Importância. Cada coisa sem préstimo tem seu lugar na poesia ou na geral."
E basta um gaúcho, carioca, moçambicano ou lisboeta afeitos a um 'causo' bem contado deitarem os olhos sobre os poemas de Manoel para descobrirem a beleza neles, compreenderem e se comoverem como eu, paulistano longe de ser um expert em Pantanal, me comovi.
Enfim, a idéia que me ocorreu é a de que estamos, pouco a pouco, ficando literalmente 'anestesiados' às sutilezas que se apresentam à nossa frente, no dia-a-dia, como pedras preciosas tão óbvias e reluzentes que simplesmente não enxergamos.
Queremos ver de tudo mesmo que muito pouco minuciosamente (quanto mais e mais rápido, melhor!). Não é muito atraente repararmos com atenção só do 'pouquinho' que está à nossa volta... afinal, na corrida desenfreada da chamada fast-life ( em alusão à fast-food), como podemos prestar atenção aos detalhes? Um sorriso em uma situação momentânea engraçada, um franzir de testa num bate-papo inusitado, um comentário interessante e inesperado... tudo pode se perder, indo embora com o vento... e a vida segue.
Pois são esses, precisamente, os objetos daqueles cuja matéria prima é a pedra preciosa escondida mas reluzentemente óbvia e ululante!
São os sabidos que reparam nessas pedras de cada anel por trás da mão que as ostenta... em cada palavra; verbo, preposicão, adjetivo ou mesmo artigo por trás de uma frase ou parágrafo ... em cada tensão de cada acorde por trás de uma certa canção, em cada cantinho de uma paisagem, por mais escondido que seja.
João do Vale era assim, Guimarães Rosa idem. Jobim, Chaplin, Monk, Machado, Gershwin, Niemeyer, Calder, Garoto ... tantos outros foram assim e seguramente nosso poeta Manoel de Barros faz bonito nesse time - arquitetos da sutileza, tudo em perspectiva.
E viva a formiga, caro Manoel!

domingo, 25 de janeiro de 2009

The future of Music

Como havia comentado anteriormente, aqui vai o link para o livro organizado por Irineu Perpétuo e S. Amadeu.
Trata-se de um conjunto de textos sobre as possibilidades do futuro da música com a proliferação da mídia digital em detrimento das mídias "físicas", enfim, algo bem abrangente. Nele assino o texto "Mudança dos ventos à vista ".
Abraços!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

SP/ janeiro... começou o ano!

Olá a todos!
Primeiro, queria novamente agradecer e dizer o quanto me honra a presença e participação de vocês por aqui, não só por tanto dinamizar o blog, mas generosamente fazer dele o que justamente se proprõe a ser : um espaço descontraído e aconchegante para se bater papo, trocar idéias, celebrar o contato entre as pessoas.
Essa semana e semana que vem há duas participações em shows aqui em São Paulo.
Uma é no concerto do meu parceiro e produtor de dois de meus cds, Swami Jr, violonista e compositor ( hoje, lá no SESC Ipiranga). A outra, embora tenha sido anunciada equivocadamente como sendo meu show, é também uma participação na apresentação do pandeirista de Jazz norte americano Scott Feiner ( dia 21, no Sesc Vila Mariana) que conheci recentemente quando toquei com Esperanza Spalding no Rio de Janeiro.
Tem também o lançamento de um livro de artigos intitulado "O futuro da música depois da morte do CD" ( dia 22, em breve publico aqui o texto que escrevi) e, por fim, um bate-papo/ workshop no SESC Consolação ( dia 24) sobre violão e guitarra, composição, improvisação, parcerias... etc.
Um abraço e bom fim de semana!

domingo, 18 de janeiro de 2009

Blindfolded listening


Hi there Folks,
This weekend I've been hearing to some interesting stuff on my Ipod while driving my car.
I must confess that in the past I use to be that kind of "against any blindfolded Ipod playlists" type of person, and that's a reason for that: I was afraid that it could happen that I fell in love with some music and, by the time I look to the screen searching for the artist's name... it's just saying: "track 4, unknown artist"; that's sad, and believe me, it happens more often than you think!
All my life I just love to seek the personnel information on any album... I mean; each player, arranger, songwriter, and so on.
Anyway, that fear vanished after I found out that: yes we can do it, to find out a certain artist "hidden" behind some lack of information!
Let's say: someone tells me about some album and I end up including it on my Ipod.
If for some reason I don't have the personnel information, or even the main artist from that album, I still can google that particular album, just having the tracks lengths... and problem solved, the rest you'll be able to find easily, Voilà!

Here we go:

Tigran Hamasyan Trio - New Era
Gabriele Mirabassi e Guinga - Graffiando Vento
Jamiroquai - Emergency on Planet Earth
João Donato - A Bad Donato
Lenine - Labiata
Toninho Horta - From Ton to Tom
Maysa - Barquinho
John Mayer - Inside wants out
Joni Mitchell - Both Sides Now
Kenny Kirkland - Kenny Kirkland

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Stand by me

I've received this from a dear friend...
I aways loved the Beatles, and John Lennon, who sang this song
beautifully ( it's a song by Ben E. King, Jerry Leiber and Mike Stoller).
So, here's another version, also great.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

One Man Band / diletantismo e profissão.

Outro dia li uma matéria sobre o historiador, ensaísta, crítico literário, professor e jornalista Sérgio Buarque de Holanda.
Fiquei admirado, pensando cá comigo: interessante como certas pessoas têm essa aptidão inerente, uma destreza natural em não apenas um, mas múltiplos campos profissionais.
No caso de Sérgio, cada um desses ofícios por ele desempenhados já trariam prestígio a qualquer trabalhador dedicado, desde que bem exercidos, evidentemente.
Mas ele não se deteve a apenas uma seara específica. Esse artigo falava justamente disso, por ocasião do recente lançamento de seu livro não publicado de contos ( área que não era a considerada de sua especialidade): A viagem à Napoles.
Enfim, fiquei divagando sobre a linha tênue entre diletantismo e atividade profissional.
Muito difícil dizer ao certo onde começa um e termina o outro, em se tratando sobretudo das artes pois, de repente, quando menos esperamos podemos estar ganhando a vida com algo novo e surpreendente, outrora considerado apenas um passatempo.
Não raro, surge-nos aquela vontade de se aventurar por outras praias, sejam as de sonho de criança ("quando crescer quero ser...") não concretizadas, ou pelo simples desejo de arriscar-se em algo original, inexplorado, enfrentando o desafio de "mares nunca dantes navegados".
A verdade é que há, sim, casos interessantes de artistas e profissionais atuantes em diferentes áreas e, em alguns casos, tão díspares quanto se possa imaginar.
Alguns deles fazem da somatória de atividades seu ganha-pão, em outros casos uma delas pode ser o refresco para a outra (geralmente a que sustenta o indivíduo), uma diversão, remunerada ou não.
Veja o caso de Guinga : sendo o fantástico compositor que todos conhecemos, também atende por " doutor Carlos Althier", no papel de dentista (hoje por puro hobbie), e aqueles que já estiveram em seu consultório garantem que também é um verdadeiro "artista" das obturações, canais e afins.
Chico Buarque, fazendo jus ao sobrenome do pai, além do compositor que dispensa quaisquer comentários, tornou-se romancista, escrevendo livros como Budapeste e Estorvo.
Ed Motta se valeu de suas habilidades de conhecedor de vinhos para criar várias cartas, menus de restaurantes e Hoteis, inclusive do Emiliano, um dos mais sofisticados de São Paulo. Dizem por aí que se sai muito bem como sommelier, apresentando ainda um programa de rádio: Empoeirado.
Caetano Veloso, que na juventude aspirava ao posto de cineasta, chegou a dirigir o filme Cinema Falado, além de ter escrito o livro Verdade Tropical. Em ambos os casos já era o magnífico compositor e cantor, que viera de Santo Amaro da Purificação para o mundo.
Vinícius de Moraes já é um caso à parte: poeta, compositor, bon vivant e diplomata... dos bons!
Charles Chaplin não se limitou a expressar a genialidade em seus impagáveis filmes, seja como ator ou diretor, mas o fez também como compositor!! Na minha opinião, escreveu uma das mais belas canções de todos os tempos: Smile ( que foi parte da trilha de Tempos Modernos, e tem até uma versão em português interpretada por Djavan).
E a lista vai longe; Luis Tatit ( professor de semiótica, ensaísta e músico), Frank Sinatra ( ator e cantor, uma combinação relativamente comum nos Estados Unidos), Paulo Vanzolini ( zoólogo e compositor, vejam vocês!), Mário de Andrade ( poeta, romancista, musicólogo, professor, crítico e ensaísta), Zé Miguel Wisnik (professor de literatura, escritor, músico), só para citar alguns pouquíssimos exemplos.
Se formos observar bem lá atrás, aí a coisa se complica e a lista se estende ainda mais, até pela formação polivalente que era tida como normalíssima, em oposição à formação especializada nos dias de hoje, de extrema conveniência ao nosso sistema capitalista à la "apertadores de parafuso", como retrataria esplendidamente Chaplin já em 1936);
Galileu Galilei( físico e matemático, escritor, filósofo...), Pitágoras (físico e matemático, filósofo, músico...). Isso sem contarmos o maior e mais brilhante exemplo de polivalência da História, Leonardo da Vinci (pintor, matemático, escultor, arquiteto, físico, escritor, engenheiro, poeta, cientista, botânico, músico...)
Uma breve reflexão nos levaria à seguinte conclusão animadora: sejam lá quais forem suas paixões, vocações, dons ou como queiram chamar... tudo vale a pena, se a alma não é pequena, já diria Fernando Pessoa ( poeta, jornalista, publicitário....)